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IA, data centers e energia solar: como enfrentar o alto consumo e seus impactos

IA e data centers elevam o consumo elétrico; entenda impactos e como a energia solar e o armazenamento reduzem custos, emissões e garantem operação
Imagem aérea de um galpão de data center de IA abastecido com energia solar
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A explosão energética da inteligência artificial

A inteligência artificial está revolucionando o mundo digital, mas traz consigo um desafio urgente: o consumo exponencial de energia. Os data centers, que funcionam como o coração pulsante da economia digital, estão enfrentando uma demanda sem precedentes por eletricidade, impulsionada principalmente pela expansão da IA generativa e dos serviços em nuvem.

Os números alarmantes

A Agência Internacional de Energia (AIE) alerta que os data centers podem consumir o dobro de eletricidade até 2026, um crescimento que coloca uma pressão significativa sobre os sistemas elétricos mundiais. Em 2022, os data centers, a mineração de criptomoedas e a IA já representavam cerca de 2% da demanda global de eletricidade, consumindo impressionantes 460 TWh.

Mas a situação tende a se agravar rapidamente. Relatórios apontam que o consumo global de eletricidade nos data centers deverá duplicar até 2030, atingindo cerca de 945 TWh por ano, o equivalente ao consumo anual de energia de países como o Japão. Esse crescimento de aproximadamente 15% ao ano representa uma expansão quatro vezes mais rápida do que o consumo total de eletricidade de outros setores.

O que torna a situação particularmente preocupante é o papel da inteligência artificial nesse cenário. Estudos mostram que o consumo de energia associado à IA já representa 20% das exigências energéticas dos data centers, e especialistas preveem que esse número pode duplicar até o fim do ano. Para contextualizar, processar uma consulta média de IA requer mais de 10 vezes a eletricidade necessária para uma busca simples na internet.

O impacto regional e global

Os Estados Unidos lideram o ranking mundial, abrigando 33% dos cerca de 8 mil data centers espalhados pelo planeta. A AIE prevê um crescimento rápido do consumo de eletricidade para esse fim no país, passando de cerca de 4% da demanda atual dos EUA em 2022 para 6% em 2026. A China aparece em segundo lugar, com 25% do consumo global, seguida pela Europa com 15%.

Em países menores, o impacto já é proporcionalmente dramático. Na Irlanda, que oferece uma das taxas de imposto corporativo mais baixas da União Europeia, os 82 data centers existentes já representaram 17% do consumo de eletricidade do país em 2022, com outras 54 instalações em construção ou recentemente aprovadas.

O custo oculto da revolução digital

Além do consumo energético, há outras preocupações ambientais. Análises preveem que o uso mais intensivo da IA aumentaria a captação de água de fontes subterrâneas ou superficiais para entre 4,2 e 6,6 bilhões de metros cúbicos até 2027, o que representa cerca de metade da quantidade de água consumida pelo Reino Unido todos os anos.

O cenário no Brasil também merece atenção. Embora um levantamento da Brasscom mostre que os data centers representaram apenas 1,7% do consumo total de energia elétrica no país em 2024, a projeção para 2029 é que esse número chegue a 27,3 TWh, representando 3,6% do consumo nacional previsto.

Grandes empresas de tecnologia já sentem o peso dessas demandas em suas operações. Os data centers nos EUA consumiram cerca de 200 terawatts-hora de eletricidade em 2024, com os servidores dedicados à IA consumindo entre 53 e 76 terawatts-hora — energia suficiente para abastecer mais de 7,2 milhões de residências americanas durante um ano.

Um chamado urgente por soluções

A comunidade internacional reconhece a gravidade do problema. Organizações como a ISO (Organização Internacional de Normalização) estão desenvolvendo critérios para a “IA sustentável”, contemplando normas para medir a eficiência energética, a utilização de matérias-primas, o transporte e o consumo de água ao longo do ciclo de vida da IA.

As principais empresas de tecnologia planejam investir US$ 1 trilhão em novos data centers nos próximos cinco anos, criando uma demanda sem precedentes por eletricidade. Diante desse cenário desafiador, surge uma pergunta essencial: como podemos continuar avançando na revolução digital sem comprometer nosso planeta?

A resposta pode estar mais próxima do que imaginamos — literalmente acima de nossas cabeças. A energia solar emerge como uma alternativa promissora e cada vez mais viável para alimentar os data centers do futuro, oferecendo não apenas sustentabilidade ambiental, mas também benefícios econômicos significativos.

Por que a energia solar faz sentido para data centers?

Usina de energia solar de data center, promovendo energia limpa e minimizando danos para operação da inteligência artificial

A energia solar emerge como uma das soluções mais viáveis e sustentáveis para alimentar a infraestrutura digital do futuro. A combinação de custos decrescentes, incentivos governamentais e pressão crescente por práticas ESG (Environmental, Social and Governance) tem levado empresas de tecnologia ao redor do mundo a adotarem massivamente esta fonte renovável.

Os benefícios são múltiplos e convincentes. Do ponto de vista econômico, fontes como a solar têm custos de geração cada vez mais competitivos, proporcionando economias significativas no longo prazo. Ao firmar contratos de compra de energia de longo prazo, como os Power Purchase Agreements (PPAs), os operadores de data centers conseguem reduzir a volatilidade associada às tarifas de energia convencionais, garantindo previsibilidade de custos essencial para a competitividade no setor.

Ambientalmente, a adoção de energia solar permite às empresas reduzirem drasticamente sua pegada de carbono. Em um contexto onde grandes provedores de nuvem e inteligência artificial são cada vez mais pressionados por metas climáticas e critérios ESG, poder contratar energia limpa em escala tornou-se um ativo estratégico fundamental.

Cases de sucesso: gigantes da tecnologia lideram a transformação

Grandes empresas de tecnologia não apenas reconhecem a urgência da transição energética, mas estão na vanguarda da implementação de soluções solares em seus data centers globalmente.

O Google destaca-se como um dos pioneiros mais agressivos nesta área. A empresa foi uma das primeiras gigantes tecnológicas a equiparar cem por cento do consumo anual de eletricidade com energia renovável em escala global, meta que tem alcançado todos os anos desde 2017. Seus investimentos são impressionantes: desde 2010, a empresa assinou mais de 170 contratos para comprar mais de 22 gigawatts de energia limpa em todo o mundo, investindo mais de US$ 3,7 bilhões em projetos e parcerias de energia renovável. Seus data centers, como o de Saint-Ghislain na Bélgica, contam com extensos campos de energia solar integrados às operações.

A Amazon Web Services (AWS) estabeleceu o compromisso de operar seus data centers globalmente com cem por cento de energia renovável até 2025, investindo massivamente em projetos de energia solar e eólica em larga escala. No Brasil, a empresa investiu em um complexo solar no Ceará com capacidade de 122 MW e outro no Rio Grande do Norte com 49,5 MW.

A Apple opera todos os seus data centers com energia cem por cento renovável, incluindo solar, eólica e hídrica. A Microsoft, por sua vez, assinou um contrato de 15 anos com a AES Brasil (recentemente adquirida pela Auren) para fornecimento de energia renovável e estabeleceu a meta de ser carbono zero até 2030.

Empresas europeias também estão na linha de frente. A Penta Infra, operadora europeia, tem energia solar fotovoltaica implantada em cerca de metade de seus locais, misturando instalações de telhado e fachada. A Equinix implantou um sistema solar de telhado de 1 MW em sua instalação ME1 em Melbourne, além de outros 800 kW de energia solar em seus sites australianos e instalações com painéis solares em Paris.

Soluções técnicas e inovações

A implementação de energia solar em data centers vai além da simples instalação de painéis. Envolve uma série de soluções integradas que otimizam tanto a geração quanto o consumo de energia.

Painéis solares em telhados e fachadas: Muitos data centers estão aproveitando suas extensas áreas de telhado para instalação de painéis fotovoltaicos. Embora seja improvável que a energia solar no telhado cubra todas as necessidades energéticas de instalações de grande porte — a maioria das implantações está na casa das centenas de quilowatts comparado aos megawatts de demanda — cada contribuição é significativa. Algumas operadoras, como a Nlighten, reportam períodos em que os painéis solares cobriram todas as necessidades da instalação por vários minutos do dia.

Sistemas de armazenamento: Baterias e outros dispositivos de armazenamento são essenciais para lidar com a intermitência da geração solar, permitindo que a energia seja armazenada durante períodos de alta produção e utilizada quando necessário.

Automação e inteligência artificial: Sistemas automatizados que monitoram e ajustam o uso de energia em tempo real são fundamentais. O Google, por exemplo, utiliza sistemas que evitam desperdícios, aproveitam melhor fontes renováveis e reduzem custos operacionais.

Virtualização de servidores: Esta técnica reduz o número de servidores físicos necessários, diminuindo tanto o consumo de energia quanto a necessidade de resfriamento.

Sistemas de resfriamento eficientes: A integração de tecnologias de free cooling, que aproveitam o ar externo quando as condições climáticas são favoráveis, e sistemas de recuperação de calor, que canalizam o calor gerado para outros usos, amplificam a eficiência energética global.

O potencial brasileiro: uma oportunidade única

O Brasil se posiciona de forma privilegiada neste cenário global. O país consolidou uma das matrizes elétricas mais renováveis do mundo, com impressionantes 88,2% da eletricidade gerada proveniente de fontes renováveis, segundo o Balanço Energético Nacional 2025. As fontes solar e eólica já respondem por 24% da geração total.

Em 2024, o Brasil registrou a maior expansão elétrica de sua história, com acréscimo de 10,85 gigawatts à capacidade instalada, dos quais 91% vieram de energia solar e eólica. O país conta com uma capacidade instalada de 200 GW, com previsão de ampliar para 275 GW até 2031.

A região Nordeste merece destaque especial. Com mais de 2.200 horas de radiação solar por ano — muito superior a países europeus que já são líderes em energia solar — a região apresenta elevado potencial para instalação de data centers alimentados por energia fotovoltaica. Além da abundante oferta de energia renovável, o Nordeste conta com conectividade estratégica, graças à disponibilidade de cabos submarinos que posicionam estados como o Ceará como hubs estratégicos para a internet no Brasil.

O arcabouço regulatório brasileiro também favorece essa transição. Programas como o REDATA permitem reduzir custos de implantação de data centers e acelerar a expansão da capacidade digital. A sanção da Lei nº 15.042/2024, que criou o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) — o primeiro mercado regulado de carbono do país — abre oportunidades para que empresas não apenas mitiguem suas próprias emissões, mas também gerem receitas adicionais com a comercialização de créditos de carbono.

Desafios a superar

Apesar do potencial imenso, há desafios significativos que precisam ser endereçados. O investimento inicial elevado pode ser um impeditivo para empresas com margens financeiras limitadas. Uma implantação solar de 2 MW pode custar mais de US$ 1 milhão (cerca de R$ 5,6 milhões), embora o retorno no longo prazo compense o investimento inicial.

A infraestrutura técnica necessária para integrar fontes renováveis aos data centers demanda redes de suporte robustas e adaptáveis. A conexão de projetos à rede elétrica e questões relacionadas à regularização fundiária precisam ser superadas através de soluções colaborativas entre os setores público e privado.

A capacitação especializada também se apresenta como um desafio relevante. Modernizar data centers para o uso de energias renováveis exige profissionais qualificados, capazes de gerenciar sistemas híbridos e implementar tecnologias de ponta.

Por fim, há a questão da intermitência. Painéis solares só geram eletricidade durante o dia quando há sol, enquanto data centers operam 24 horas por dia, 7 dias por semana. Por isso, é essencial o uso de dispositivos de armazenamento de energia e a retaguarda do Sistema Interligado Nacional.

O futuro é verde e digital

A convergência entre infraestrutura digital e energia verde representa uma oportunidade sem precedentes. Para as empresas que anteciparem movimentos e estruturarem suas operações com base em energia limpa, eficiência e responsabilidade ambiental, o retorno virá não apenas em competitividade e redução de custos, mas também em reputação e atração de investimentos alinhados aos critérios internacionais de ESG.

O Brasil reúne condições únicas para liderar a transição digital sustentável da região. A expansão recorde da matriz renovável, a regulação moderna do carbono e os incentivos fiscais direcionados a projetos verdes criam um ecossistema propício para inovação. Em um contexto global que exige operações mais limpas, resilientes e digitalizadas, o país se posiciona como um dos destinos mais promissores da América Latina para investimentos sustentáveis em tecnologia.

A questão não é mais se devemos fazer essa transição, mas quão rapidamente conseguiremos implementá-la. A inteligência artificial continuará avançando, os data centers continuarão se multiplicando e a demanda por dados só crescerá. A energia solar oferece o caminho para que essa revolução digital aconteça de forma sustentável, garantindo que o progresso tecnológico não comprometa o futuro do nosso planeta.

As empresas e governos que compreenderem e agirem sobre essa urgência hoje estarão moldando não apenas o futuro da tecnologia, mas o futuro da humanidade. A energia solar não é apenas uma alternativa — é uma necessidade estratégica para um futuro digital verdadeiramente sustentável.

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Escrito por Frederico Salles

Frederico Salles é engenheiro eletricista, diretor e fundador da Sunus. Tem mais de 20 anos em elétrica, automação e gestão de grandes projetos, com passagens como sócio na IHM Engenharia e líder de elétrica/automação na Vallourec. Hoje conduz projetos fotovoltaicos de alta performance e segurança energética.

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